Pode concretar viga de concreto em duas etapas?

Lembro como se fosse ontem. Estávamos na obra, o sol rachando a cabeça, e de repente, o caminhão betoneira atrasou. O relógio passava das três da tarde e ainda faltava concretar metade da viga. O engenheiro da obra olhou para o mestre de obras e soltou a pergunta que ninguém queria ouvir:

— Dá pra concretar essa viga amanhã ou vai dar problema?

A tensão no ar era quase palpável. Um dos pedreiros, que já tinha anos de experiência, balançou a cabeça e disse:

— Ah, se fizer direito, dá. Mas se fizer errado, a viga vai virar uma bomba-relógio.

Aquela conversa ficou na minha cabeça. Será que dá para concretar uma viga em duas etapas sem comprometer a estrutura? E se sim, como fazer isso corretamente?

O que acontece quando se interrompe a concretagem de uma viga?

A primeira coisa que precisamos entender é que o concreto não é só um monte de pedra, areia e cimento misturados. Ele passa por um processo químico chamado hidratação, onde o cimento reage com a água e endurece.

Se você interromper a concretagem no meio do caminho, a parte já concretada começa a endurecer, criando uma junta fria na região onde a concretagem foi interrompida. E essa junta pode ser um ponto fraco se não for bem tratada.

Lembro de um engenheiro explicando isso uma vez:

— Imagina que o concreto é como um bolo de chocolate. Se você assa metade hoje e tenta assar a outra metade amanhã, a emenda entre as duas partes nunca será perfeita. Vai ficar com rachaduras e pode até quebrar mais fácil.

A comparação ficou na minha cabeça. Mas, assim como na cozinha, existem formas de garantir que a segunda camada "grude" bem na primeira.

Pode ou não pode concretar em duas etapas?

A resposta curta: pode, mas tem que seguir alguns cuidados.

A resposta longa? Bom, vai depender do tipo da viga, do nível de carga que ela vai suportar e, principalmente, da forma como a junta fria será tratada.

Existem normas que regulam isso. No Brasil, a NBR 6118 (Projeto de Estruturas de Concreto – Procedimento) fala sobre as juntas de concretagem e os cuidados que devem ser tomados para garantir a aderência entre as camadas.

Cuidados essenciais ao concretar em duas etapas

Se a obra não tem outra opção e a viga precisar ser concretada em duas etapas, alguns cuidados são fundamentais:

1. Definir corretamente o ponto de interrupção

O ideal é interromper a concretagem nas regiões de menor esforço, como próximo dos apoios. Nunca interrompa a concretagem no meio do vão, onde os momentos fletores são maiores e a resistência da viga é mais exigida.

2. Preparar bem a superfície antes de continuar

Se a primeira parte já endureceu, antes de lançar o novo concreto é fundamental:

• Escovar e lavar a superfície para remover nata de cimento e partículas soltas.
• Criar rugosidade na superfície para aumentar a aderência (pode ser feito com jato d'água de alta pressão ou escarificando manualmente).
• Aplicar adesivo estrutural (como resinas epóxi específicas para concretagem em etapas).

Lembro de um engenheiro que dizia:

— Se o primeiro concreto não estiver bem preparado, o segundo não vai colar direito. Vai ser como jogar tinta em uma parede suja: pode até parecer que pegou, mas uma hora descasca.

3. Garantir a cura correta da segunda camada

A cura do concreto é essencial para evitar fissuras e garantir a resistência. Se a concretagem foi interrompida, a segunda parte precisa ser curada com ainda mais cuidado, porque a variação de umidade pode gerar retração diferencial entre as camadas.

Em uma obra que acompanhei, tentaram concretar uma viga em dois dias, mas esqueceram da cura na segunda parte. Resultado? Pequenas fissuras começaram a aparecer logo nos primeiros meses.

Casos em que NÃO se deve concretar em duas etapas

Nem sempre é possível dividir a concretagem de uma viga. Se a estrutura tiver grandes cargas ou se a junta fria for mal posicionada, pode comprometer a resistência da viga e até gerar falhas estruturais graves.

Lembro de uma história de um prédio onde a concretagem de uma viga foi interrompida sem o devido tratamento da junta. Anos depois, apareceram fissuras profundas, e uma inspeção revelou que a viga estava comprometida. O conserto custou uma fortuna.

— Se tivessem feito direito na primeira vez, não teriam gastado tanto depois — comentou um amigo engenheiro.

Conclusão: o que fazer se precisar concretar em duas etapas?

Se não tiver outra opção e precisar dividir a concretagem de uma viga em duas etapas, siga estas regras:

Escolha bem o local da junta fria (sempre onde os esforços são menores).
Prepare a superfície adequadamente antes de lançar o segundo concreto.
Use adesivos estruturais para melhorar a aderência entre as camadas.
Garanta a cura correta para evitar fissuras e retrações.

No final das contas, o que aprendi ao longo dos anos é que concretar uma viga em duas etapas não é o ideal, mas pode ser feito com segurança se seguir os procedimentos corretos.

E claro, sempre vale lembrar do que um mestre de obras experiente me disse um dia, enquanto tomávamos um café no canteiro:

— Concreto não perdoa erro. Se fizer errado, ele cobra depois.

E essa é uma verdade que ninguém pode ignorar.

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